Na reportagem especial, entenda por que as UPAs de Rio Branco tornaram-se referência, até mesmo para pessoas com dores de cabeça
Num ato de desespero, dois indivíduos ameaçam agredir uma enfermeira em meio a dezenas de pessoas que esperam ser atendidas na Unidade de Pronto Atendimento Franco Silva, a UPA da Sobral. Hostilidades com o dedo em riste e palavrão atrás de outro tentam intimidar a profissional, que posteriormente relatou as agressões em boletim de ocorrência na polícia.
Na Cidade do Povo, um esquema especial da Base Integrada de Segurança Pública, inaugurada no último dia 29 de janeiro pelo governador Gladson Cameli, passou a funcionar junto à delegacia da 2ª Regional e garante a segurança de pacientes e servidores da UPA Dr. Edilberto Parigot Filho, a menos de 100 metros das instalações policiais.
Mas afinal, por que as UPAs, algumas vezes, se tornam ambientes de insatisfação, quando deveriam ser locais de respeito e de muita compreensão pelo trabalho dos profissionais que ali estão?
Não são raras as agressões verbais, e até físicas, contra equipes que têm um único objetivo: o de salvar vidas.
De janeiro a dezembro de 2019, pelo menos 53,87% da classificação de risco da UPA da Sobral foram de pacientes na condição verde, seguido da cor amarela (27,47%). Depois é que vem a vermelha, com 9,37%, e a laranja, colada nos 8%. Significa dizer que no ano passado, 54.357 pessoas tiveram que aguardar atendimento na condição de ‘pacientes verdes’, um média de 4,5 mil por mês, para que outas 9.524 pudessem ter prioridade na condição de emergência, algo em torno de 850 pessoas por mês.
“Tudo o que queremos é fazer o nosso melhor às pessoas. Desenvolvemos o nosso trabalho da melhor forma possível, com quatro médicos nos três turnos. Mas por ter a região da Sobral uma população muito numerosa, muita gente vem e, inclusive, absorvemos demandas de outros bairros da cidade também”, ressalta Michela Lemos, gerente-geral da UPA da Sobral Franco Silva.
“A maioria é [classificação] verde e essas pessoas se estressam, porque ficam esperando. Isso gera angústia e elas ficam nervosas, porque não entendem que primeiro temos que atender a urgência e a emergência. É aí que dá o transtorno”, completa a gestora, dizendo que “nós viramos posto de saúde. É porta aberta mesmo”.
Tailine Borges, de 29 anos, estudante de enfermagem, tomava soro na terça-feira, 11, enquanto esperava ser examinada pelo médico plantonista, após suspeita de ter contraído dengue.
Natural de Porto Walter, acredita que contraiu o vírus em Cruzeiro do Sul, próximo da sua cidade natal, no Vale do Juruá, onde passou a maior parte das últimas férias. A região enfrenta um surto da doença.
Borges mora no conjunto Esperança e optou pela UPA da Sobral, porque no Módulo de Saúde do Esperança, onde há uma base da Unidade de Saúde da Família, não se realiza exames, embora sejam disponibilizados consultas médicas, vacinas e curativos.
“Eu me sinto segura aqui. Não desmerecendo o atendimento de outros locais, mas acredito que aqui seja melhor”, diz.
Em 2019, mais de 360 mil passaram pelas UPAs, a população dos seis maiores municípios juntos
Pelo menos 360.405 pessoas recorreram às três Unidades de Pronto Atendimento da capital acreana, de janeiro a dezembro de 2019. O número é maior que a população dos seis mais populosos municípios do Acre: Cruzeiro do Sul, Sena Madureira, Tarauacá, Feijó, Brasileia e Xapuri, que juntos tem 218.875 moradores.
A UPA do Segundo Distrito foi a que mais registrou atendimentos. No total 175.894 pessoas, seguida da UPA da Sobral Franco Silva, com 124.422 assistências. Os números revelam o quanto as unidades exercem papel fundamental na vida dos moradores da capital que recorrem ao Sistema Único de Saúde.
“A maioria dessas pessoas poderia estar sendo atendida nas unidades básicas de saúde, que são de categoria verde”, ressalta Joyce Maia, gerente-geral da UPA Dr. Edilberto Parigot Filho, na Cidade do Povo.
“No entanto, o que é importante é que ninguém, absolutamente ninguém, saia sem ser atendido. Levamos à risca o que o SUS determina e o lema dele é o nosso lema”, diz a gestora.
UPA lotada e Urap vazia: na prática, o dilema da ‘descompensação’ do SUS
Apenas 400 metros separam a UPA da Sobral da Unidade de Referência em Assistência Primária (Urap) Dr. Augusto Hidalgo de Lima, na Baixada da Sobral. A primeira é administrada pelo Governo do Estado do Acre, por meio da Secretaria de Estado de Saúde, e a segunda, pela Prefeitura de Rio Branco, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Saúde.
Na terça-feira, dia 11, quando esta reportagem começou a ser produzida, fotos tiradas às 10h42 do saguão da UPA mostraram o recinto lotado de pessoas à espera de atendimento.
Quase ao mesmo tempo, às 10h48, num intervalo de seis minutos, portanto, imagens feitas na Urap revelavam que a área de espera praticamente vazia, quase sem ninguém que não sejam as pessoas que recorrem à farmácia da unidade. (nas fotos abaixo)
O outro lado
Questionados pela reportagem se havia médico, os plantonistas na recepção da Urap Dr. Augusto Hidalgo de Lima disseram que sim, mas “que ele já havia atendido a todas as fichas”.
O sistema de atendimento em regime de senhas permite que o profissional realize as consultas de acordo com um número determinado de fichas, e para por aí. Salvo em caso de emergência, quando uma criança, eventualmente, poderá chegar com vômitos, ela é atendida. Mas algo muito raro porque os pais, geralmente, vão direto para a UPA ou para o Pronto-Socorro.
Quem não conseguiu senha ou vai esperar o dia seguinte ou recorrerá à UPA, esta última, em tese, indicada para casos de média e de alta complexidades, os de urgência e de emergência. Mas que atende a todos, indistintamente.
Se o Módulo de Saúde ‘fecha pra balanço’, a UPA está aí para isso
Marciane da Silva Lima, de 44 anos, bateu cedo na porta do Módulo de Saúde Francisco Eduardo de Paiva, no Rui Lino, bairro onde ela mora. Na manhã da última terça-feira, acometida por dores de cabeça, imaginava que seria atendida ali mesmo. Foi informada de que os profissionais da unidade estavam em reunião.
Dali percorreu oito quilômetros até a UPA Franco Silva, na Sobral. “Eu estava decidida a não retornar para casa passando mal”, explica ela, que trabalha como lavadeira de roupas.
Lima engrossou a lista de espera na classificação verde da UPA, porque não encontrou atendimento em uma das mais de 60 unidades básicas, centros e módulos de saúde administrados pelo município de Rio Branco, a maioria na periferia.
O outro lado
Procurada, a administradora do Módulo de Saúde Francisco Eduardo de Paiva confirmou que o módulo fechou para um encontro de avaliação das suas atividades com os funcionários. “As reuniões acontecem periodicamente para alinharmos alguns pontos, justamente, para o bom funcionamento, e a terça-feira foi um desses dias”, disse a coordenadora, optando por não dizer o seu nome.
No feriadão de janeiro, rush chegou a 1,2 mil atendimentos na UPA da Sobral em um dia
No cartaz pregado no portão, a mensagem tenta ser clara: “Só haverá expediente na segunda-feira, dia 26/01/2020. Só serão agendadas 16 fichas”. Na Unidade Básica de Saúde (UBS) José Gomes de Oliveira, no bairro João Paulo, na parte alta da Sobral, o servidor só se equivocou na data, já que segunda-feira caiu em 27 de janeiro e não no dia 26.
A sua intenção foi dizer que a UBS só reabriria após o feriadão de católicos e evangélicos, entre os dias 23 e 24, uma quinta e sexta-feira, e após o sábado, 25, e domingo, 26, ou seja, na segunda-feira, 27, e com 16 senhas disponíveis para consultas.
No feriadão muitas UBS do município de Rio Branco não abriram as suas portas e esta decisão tem claros indícios de que pode ter reverberado no aumento de atendimentos nas UPAs da capital.
Na Sobral, região que tem mais de 20 UBS, o pico de atendimento chegou a 1,2 mil pacientes no primeiro dia de feriado.
“Nunca tínhamos visto tanta gente”, lembra Arianny Brito, responsável pelo Atendimento e Acolhimento da UPA da Sobral. “Em situações como essas é que percebemos muito bem que a maioria [dos pacientes] é da atenção básica, com classificação verde”, explica a profissional.
O gráfico acima mostra que de 1º de janeiro ao dia 27 do mesmo mês, ao menos 6.546 adultos foram atendidos com consultas médicas, enquanto que em segundo vieram as consultas pediátricas: 1.671. Oitenta e uma crianças estiveram sendo atendidas em situação de emergência.
Apesar de portaria, crianças não ficam sem atendimento
Na condição de porte três numa escala que vai até oito, a UPA da Sobral não dispõe legalmente de um médico pediatra. E embora esta condição seja baseada em portaria do Ministério da Saúde, nem por isso as crianças deixam de ser incluídas como pacientes prioritários.
Esse é o caso da pequena Manuela, de 11 meses, que chegou febril à unidade nos braços da mãe, Thaila Menezes da Silva, 29 anos, e acompanhada do pai Fabiano Antônio Lima da Silva, 23. “Está tudo bem. Acho que ainda demorou um pouco, mas agora vai”, dispara a mãe, minutos antes de entrar na sala de enfermagem.
Explica José Martins de Souza Junior, gerente de Assistência em Saúde da UPA, que pela legislação, a sua unidade não tem pediatra. “Gostaríamos, até de ter, mas não temos. No entanto, nem por isso o clínico deixa de atender a criançada. Ele é o mesmo profissional que atende aos idosos”, diz Souza Junior.
A divisão de atribuições das UPAs, das Unidades de Saúde da Família, das Unidades Básicas de Saúde e dos Centros e Postos de Saúde é regulada pela Portaria nº 2.048, do Ministério da Saúde, de 5 de fevereiro de 2002.
O documento, que pode ser acessado a um clique na internet, classifica também as Unidades de Pronto Atendimento de acordo com os seus portes, que podem ir de um a oito, seguindo a critérios como, por exemplo, o tamanho da população local.